Em defesa de Lori

Resenha em defesa de Lori Grimes retirada do site Blogueiras Feministas

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O CASO DE LORI GRIMES

Lori grimesA autora desse texto é a Sybylla (…) Geógrafa e professora, também é uma grande fã de ficção científica e seriados. Escreve no blog Momentum Saga. Nos enviou esse texto sobre Lori Grimes, da série americana Walking Dead, por ver muito machismo e preconceito na maneira como as pessoas julgam as ações dela.

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Lori Grimes é uma polêmica entre os fãs da série dramática The Walking Dead, transmitida pelo canal norte-americano AMC e no Brasil pelo canal Fox, baseada nos quadrinhos de mesmo nome. Será necessário passar alguns spoilers sobre a série para que todos consigam entender o que acontece.

A série é baseada em um apocalipse zumbi. Os mortos caminham pela Terra e a sociedade sofre um colapso. Lori Grimes é uma pacata dona de casa e mãe de família, casada com um policial em uma cidade no interior da Georgia desde a adolescência. Poucos dias antes de o apocalipse acontecer, seu marido, Rick Grimes, personagem central da trama, é baleado gravemente em uma ação policial e é internado. Uma das cenas iniciais é justamente Rick acordando sozinho em um hospital abandonado.

Lori e o filho Carl escapam da cidade com a ajuda do melhor amigo de Rick e parceiro na polícia, Shane, com quem ela acaba tendo um caso enquanto estão acampados em uma pedreira fora da cidade. E o preconceito, os julgamentos e o linchamento em cima da personagem começam justamente aí:

“Ela nem esperou o marido esfriar e já foi dar pro melhor amigo dele.”

“Vagabunda, tem que morrer, fica jogando um amigo contra o outro.”

São só alguns entre outros comentários de baixo calão que tenho ouvido por aí. E já ouvi piadinhas dizendo que eu gosto dela por isso defendo. Não estou defendendo, apenas fazendo uma observação em cima do machismo claro e da misoginia dos fãs da série que não perderam a oportunidade de julgar a personagem. Acredito que a primeira coisa que devemos fazer é parar de pensar com a cabeça que temos neste momento da nossa civilização, pois num apocalipse a coisa seria bem diferente. Nós temos os confortos da vida moderna, não estamos correndo de zumbis pela rua, atrás de água, comida e abrigo. Em um apocalipse a estrutura e a sociedade vão cair por terra, pois não estamos preparados para lutar pela sobrevivência como nossos ancestrais faziam.

Em segundo lugar, Lori está sendo brutalmente julgada e ofendida por suas ações, sendo tachada de vagubunda entre outros adjetivos por ter transado com o melhor amigo do marido que julgavam estar morto. Mas se fosse o contrário, o marido fugindo da cidade com o filho e a melhor amiga da esposa dorme com ele, não seria o marido o julgado por não esperar a esposa “esfriar”, e sim a amiga mulher, leviana que não se aguenta ao lado de um homem. E, com certeza diriam que ele estava agindo certo, buscando proteger seu filho e que estava carente em uma situação tremendamente difícil. É sempre assim. A mulher aparece para tentar o pobre homem que não consegue controlar seus impulsos selvagens e respondendo ao chamado da natureza, realiza o coito. Enquanto isso, a mulher é uma vadia sem coração, que quer dar para todo mundo, sem noção de moral ou de julgamentos.

Se falo isso para os colegas que assistem à série, eles dizem: “Não, é nada disso!” Ou então: “Mas a Lori não presta, ela tem que morrer! Como você defende essa vaca?”. Eu inclusive evito discutir o assunto, pois sei o que vai acontecer, já que a maioria dos fãs é composta por homens e eles nunca estiveram em uma posição de sofrer com o machismo escancarado que professam. Quando o assunto são personagens da série, todo mundo aplaude as ações de Shane, o amigo. Shane se apaixona por Lori, mas quando Rick retorna e reencontra a família, ela fica ao lado do marido e Shane se sente rejeitado, vendo Rick como uma ameaça. Ele se torna cada vez mais agressivo, psicótico e obcecado, matando pessoas a torto e a direito pela série, inclusive para poder salvar a própria pele de uma horda de zumbis, ameaçando a estabilidade do grupo o tempo todo com seu comportamento imprevisível. A desculpa é que a atual situação da sociedade pede uma solução assim, onde os conceitos morais e éticos foram deixados de lado. Aí surgem os favoráveis:

“Ele tá certo, no apocalipse vai ser assim mesmo. Não podemos ter travas morais na hora de sobreviver.”

“Viva o Shane! É o único coerente nessa série!”

Hummm, deixa ver se eu entendi… Lori Grimes está sozinha no meio de um apocalipse zumbi, incapaz de se defender sozinha, com um filho para cuidar, presumindo que o marido esteja morto e ao dormir com o melhor amigo dele merece a morte, xingamentos e toda a sorte de julgamentos, mas Shane, psicótico, obcecado, assassino e impulsivo, que colocou o grupo em perigo e quer matar o próprio amigo desde o começo, merece aplausos por suas ações?

Outra parte da série que causou uma onda de protestos foi quando Lori descobriu estar grávida e pediu pílulas abortivas quando um grupo foi saquear uma farmácia. Ela colocou várias na boca e depois as cuspiu, sem saber o que fazer. Quando contou para o marido, ele se irritou por Lori não ter contado isso antes e que queria participar daquela decisão. Ela argumenta que eles não têm aquecimento, nem abrigo, comida ou acesso a médicos e hospitais. O choro do bebê pode atrair uma atenção indesejada para eles, visto que os zumbis reagem aos sons. A gravidez colocaria a todos em risco. E os julgamentos machistas começaram mais uma vez, inclusive com a polêmica sobre o aborto e que para a sociedade continuar, crianças precisam nascer.

Todos ali na série tomaram decisões equivocadas. É um apocalipse, oras! Mortos-vivos dominaram as grandes cidades, tudo entrou em colapso, todos os serviços. Como nós, que vivemos nesse mundo “civilizado”, com os confortos da vida moderna podemos algum dia pensar em sobreviver em um ambiente desses? Infelizmente, o machismo e a misoginia sobreviverão, pois o papo de “continuar a espécie, dar continuidade à civilização” vai aparecer. Desde o início dos tempos que a mulher é considerada um objeto, uma moeda de troca, um ser condenável por expulsar o homem do paraíso, aquela que tenta os instintos do homem até fazê-lo agir.

Com a personagem Lori Grimes não é diferente. Se ela está tomando decisões erradas ou agindo de maneira questionável, não é por ser mulher. Ela é um indivíduo como todos nós, que erra, chora e que tenta se agarrar à sobrevivência. E se ela está sendo mesquinha no que faz, o que dizer das ações dos outros personagens, em especial Shane, que todo mundo adora? Shane fica tão perturbado com a recusa de Lori assim que o marido dela volta, que tenta atacá-la e estuprá-la enquanto eles estão refugiados no prédio do Centro de Controle de Doenças, em Atlanta. Em quem jogaram a culpa por isso? Na Lori, claro, que começou um caso e depois “não quis dar mais”.

Como bem disse a Talita, no texto Minha vocação é contestar:

Não acredito em vocação ou chamado de qualquer espécie. Acredito em construção social. Portanto, proponho que pensemos como foi que se chegou à percepção do corpo feminino enquanto objeto a ser vendido e/ou entregue naturalmente, ao passo que o corpo masculino foi interpretado como merecedor ao uso de tal objeto, na forma do cliente. O cliente, como diria o clichê comercial, é aquele que tem sempre razão e merece sempre ser agradado.

É bem frustrante ver o tipo de pensamento que permeia a cabeça das pessoas. Vi mulheres julgando Lori Grimes, chamando-a de vagabunda, que deve ser devorada por zumbis e tal… Mas espera um instante. Sendo julgada única e exclusivamente por ser mulher? Todos nós temos capacidade de sermos bons, maus ou indiferentes, independente de nosso sexo, credo ou cor. Então esse debate sobre as ações de Lori, porque é mulher, não passa de machismo puro e escancarado para mim.

Fonte: Blogueiras Feministas


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Kelly Ribeiro
Kelly Ribeiro
Kelly Ribeiro é co-fundadora, editora-chefe, redatora e gerente de comunidades do Geekdama. Com formação em Comunicação Social e Cinema Digital, além de especializações em Marketing e Jornalismo Digital, Kelly supervisiona a produção de conteúdo do portal. Em 2022 foi uma das selecionadas no programa Aceleradora de Comunidades da Meta.

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