Jesus é gay: isso faz dele um personagem menos querido?

Anos atrás, antes mesmo da 100ª edição de The Walking Dead, o sobrevivente Paul Monroe foi introduzido aos quadrinhos, mostrando ao grupo de Rick que o mundo é bem maior do que eles esperavam. Carinhosamente apelidado de “Jesus” pela sua aparência, ele rapidamente se tornou um dos personagens favoritos dos fãs, devido às suas habilidades bem exageradas.

E a base de fãs do personagem seguiu em plena ascensão ao longo das edições seguintes. E não é para menos para alguém que derruba zumbis e inimigos na base da capoeira, desvia de tiros de metralhadora, intercepta lanças com as mãos, escapa de todas as amarras, entra em qualquer ambiente sem ser visto e joga granadas de volta para o inimigo. Fora que até o momento ele foi o único que conseguiu machucar Negan.

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Contudo, desde a edição 122 sua popularidade parece ter sofrido um abalo. Não por ele ter agido de forma negativa (afinal, ele já jurou lealdade à Rick), mas por ter se revelado gay. Na edição em questão Jesus aparece tendo um relacionamento com um dos habitantes do Alto do Morro. Foi apenas uma página, sem nada explícito (sequer um beijo), mas o suficiente para gerar controvérsia.

Jesus não foi o primeiro personagem gay

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Por que tanta polêmica em torno da orientação sexual de Jesus, se ele não foi o primeiro personagem gay da série? Durante o arco da prisão, Dexter e Andrew mantinham relações. E Aaron, um personagem muito querido, tinha um relacionamento estável com Eric. As críticas à esses personagens, se existiram, foram mínimas. Por que com Jesus foi diferente?

Quebra de expectativas

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Kirkman apresentou Jesus com um estereótipo bem definido, do homem másculo e destemido. O herói intocável, “Duro de Matar”, que no final sempre fica com a mocinha. E essa ideia foi intuitivamente absorvida pelos fãs ao longo de mais de 20 edições, sem que a sexualidade do personagem sequer tenha sido mencionada – afinal, ele tinha coisas mais importantes para lidar no momento.

No fim, ao apresentar Alex como par romântico de Jesus (independente de ter sido algo planejado desde o início ou simplesmente decidido de última hora), Kirkman quebrou as expectativas e levou a polêmica de The Walking Dead para patamares além da dualidade sobrevivência X humanidade. Afinal, como aquele personagem admirado por todos poderia ser gay? Ou seja, não tem problemas que Aaron seja gay, mas o herói de todos precisa esbanjar heterossexualidade?

E com este golpe inesperado, a pergunta que cada um deve fazer a si mesmo é: “Eu admiro menos o personagem por ele ser gay”? Jesus continua exatamente o mesmo. Na edição 124 ele salvou Rick ao derrubar um Salvador com uma voadora impossível. Ele continua fazendo pose, continua agindo como sempre foi. Por que ele caíria no seu conceito só pelas suas preferências sexuais?

A questão religiosa

Além da expectativa do estereótipo, há um outro ponto que levanta polêmicas: o personagem tem um apelido baseado em Jesus Cristo. Apesar de provavelmente ter sido criado como uma homenagem, o fato certamente não agrada a todos, nem mesmo nos quadrinhos. Earl Sutton, o ferreiro da comunidade do Alto do Morro, se recusa a usar o apelido Jesus, sempre se referindo ao personagem como Paul. Apesar deste detalhe, ambos aparentam ser bons amigos. Maggie também comenta que seu falecido pai, Hershel Greene, provavelmente concordaria com Earl.

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Kirkman responde aos fãs

Ao final de cada edição dos quadrinhos de The Walking Dead, Robert Kirkman reserva algumas páginas para as cartas dos leitores (Letter Hacks). E na edição 124 ele começou a publicar as cartas relativas à época da edição 122, onde acontece a revelação de Jesus. Kirkman publicou duas cartas. A primeira foi de um leitor cristão afirmando que o caso foi como um “golpe sutil” contra as pessoas de fé. A outra carta foi de agradecimentos, por desenvolverem Jesus como um personagem qualquer, até o momento de sua sexualidade aparecer, de forma natural. Confira, em tradução livre:

Prezados do TWD,

Sou viciado no quadrinho de vocês. Leio cada edição e aguardo ansiosamente a próxima no mês seguinte. Tendo dito isso, a revelação de “Jesus” ser gay me soou como um golpe baixo no Cristianismo.

Eu sou cristão e detestei a introdução de um personagem chamado “Jesus”. Fiquei aliviado quando foi revelado que era apenas um apelido, mas ainda me incomodava. Mas continuei acompanhando, pois adoro a revista, os personagens, a história. Mas após ler a edição 122, estou pensando seriamente em parar de acompanhar esta publicação. Não tenho problemas como personagens homossexuais na história de vocês, mas chamar um personagen de Jesus e em seguida mostrar que ele é gay me pareceu um golpe direto contra os cristãos e isso não é legal.

E a segunda carta:

Senhor Kirkman,

Obrigado pela cena com Jesus na edição 122.

Eu comecei a gostar de rapazes na 6ª série, mas não havia me tocado até o verão seguinte. […] Eu gosto de rapazes e era isso que o início da minha vida adulta tinha reservado para mim, repulsa de todos que eu conheço.

Em algum lugar no meio dos seus 70 mil leitores mensais, há um jovem rapaz que se identificou pela primeira vez hoje, em Jesus e Alex. À primeira ele era o personagem durão, amado por todos, em uma história épica. E por causa do destino que você deu à ele, Jesus terá que lidar com várias questões que consumiram anos de minha vida.

Obrigado,

Paul Johnson
Woodbury, MN

E Kirkman, respondendo ambos:

Em primeiro lugar, muito obrigado por sua carta [Paul]. Quando eu percebi que tinha ido a fundo na história de Jesus sem nunca ter mencionado sua sexualidade, eu vi a oportunidade de mostrar que a sexualidade de um personagem não faz nenhuma diferença. Jesus é o que ele é. Ele é descolado, ele é capaz e ele é durão. E além disso, ele curte rapazes. Não TODOS os rapazes, assim como mulheres hétero não curtem TODOS os tipos de rapazes… mas ele curte 100% outros caras.

E isso não faz diferença.

Vou continuar contando histórias com Jesus e ele continuará sendo o mesmo personagem de sempre. As vezes sua sexualidade aparecerá, as vezes não. Assim como Rick não fica o tempo todo pensando em como ele gosta de mulheres. Pois isso simplesmente não faz diferença.

E agora, de volta à primeira carta, de Matt…

Matt, o Jesus dos quadrinhos NÃO É o Jesus da Bíblia. Deram este apelido à ele, mas ele NÃO É Jesus. Mostrar o personagem como gay não foi de forma alguma um ataque aos cristãos.

Agora, tentando ser o mais compreensivo possível com seu ponto de vista, eu tenho que dizer que se ofender com o fato de um personagem, que tem o mesmo nome que Jesus, ser gay certamente coloca você no lado errado dessa história. Em resumo, você está ERRADO em se ofender pela sexualidade de qualquer personagem. Simplesmente está errado.

Se Jesus fosse um personagem negro e alguém se ofendesse por isso, eu apostaria que você acharia um absurdo. Mas se isso acontecesse a cerca de 50 anos atrás… também apostaria que isso seria um problema para alguém… e mesmo assim estaria errado.

Você pode responder algo do tipo “Não tenho problemas com homossexuais, eu ficaria igualmente ofendido se Jesus fumasse crack ou matasse alguém ou se ele comesse mariscos”. Ou seja, você não gostaria de ver um personagem chamado Jesus fazendo nada que o fizesse questionar sua conduta… e este é o ponto que estou tentando levantar aqui. Não há nada de errado em gostar de caras… não é um comportamento condenável e não deveria ser um problema. É tão ofensivo quanto ter um personagem com dislexia chamado Jesus, ou um personagem ambidestro chamado Jesus ou um personagem extremamente alto chamado Jesus.

Eu peço que você leve isso em consideração e que talvez tente ser um pouco mais aberto às diferenças que todos temos.

E afinal de contas, é só um apelido bacana.

A página com a revelação

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Levando em consideração todos os pontos abordados neste artigo, além da opinião de Kirkman, responda com sinceridade: como você reagiu ao descobrir que Jesus é gay?


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Fausto Gabiou
Fausto Gabiou
Escrevi no Geekdama sobre The Walking Dead e outras coisas por mais de dez anos. Atualmente minhas publicações são feitas em meu perfil oficial, Fábio Augusto. "We are surrounded by the dead. We're among them and when we finally give up, we become them! Don't you get it? WE ARE THE WALKING DEAD!"

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